quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Já me cansei dessa cor nauseada da alface que quase esqueci de regar. Distante desta fase de um turbilhão de pessoas que passam despercebidas sempre se lembrando de si próprias açucarando a aba do chapéu com um aceno sem cumprimento algum. Me tranco na rua, donde posso ver todos, escondendo-se de mim mesmo.

Empaco numa mula manca que eu comprei pra que suba aquele monte. Ela já o faz sem ordens, e quase sempre me esquece por aqui, perdido nessa rotina que não sei onde larguei. De lá vê o sol nascer até quase de tarde e de onde quase nunca volta. Mas já me acostumei a procurar somente os discos voadores de cores trocadas. Na quarta servi o vinho num saco de pipocas enquanto via as formigas calçando as botas antes mesmo de tira-las.

Mas ainda estão todos aqui perdidos ao meu lado, trombando-se e falando ao mesmo tempo. Não te dou atenção enquanto olho pra você. Mas sei que te planto e quero ver-te crescer, ainda que pinte as tuas folhas verdes de laranja e ande sempre de costas e com esses óculos que não me deixam ser.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Não me queira mais do que já posso ser. Despeço-me do meu corpo quente, delirando nu num passeio até o lago. Mas dele, quase nada. Rego tranquilamente suas margens, podo as pedras e colho a lama densa que se forma em dias quase escuros.

Desço até perto do muro e me encolho. Finjo fugir do frio que faz, enquanto observo tantos “efes” se espalhando pelo quintal. Alguns me cutucam enquanto me distraio com as vozes passando vagarosamente pela rua.

Coço meus pés e pernas, sujas com qualquer coisa que desconheço. Perco-me de todos que se ausentaram e que continuam aqui escondidas duma forma que somente eu as reconheço. Não chamo sua atenção, mas toda noite despeço-me de cada um, ainda que ninguém saiba. Mas a mim basta o “bom dia” do outro dia que deveria receber.

Se são folhas ou flores eu quase nunca sei. Gota-de-orvalho sempre seca que nascem debaixo do que restou da outrora capela que agora jaz de cabeça baixa, sorrindo ainda algumas poucas liturgias. Outro dia cruzei com um santo que fedia lágrimas. Cambaleava enquanto carregava um saco cheio. De mal humor, ou com a costumeira preterição, passou sem nem me reconhecer. Tanto faz, porque também não sei o que lá fazia.

Atravessei o quintal novamente e voltei ao ignoto ventre que escondo entre os livros que me leem.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Abri os olhos. Dei três tapas num sol que piscava desfocado até que tudo ficou claro. Cumprimentei um gato que passava ali. Visita meu telhado frequentemente e, vez ou outra, despenca por onde sai o baobá. Descolori alguns tomates sem assuntos, quando desses dias que seguem, simplesmente por não poder ser diferente. E chove.

As manhãs sempre começam com esse cheiro constante. Às vezes isso me alegra, noutras somente uma ânsia. Os pássaros que cantam, as folhas que caem e essa lama que se espalha. Preguiçoso, de quando em quando vou conferir se não esqueci meu corpo esparramado pela cama.

Outro dia troquei as portas de lugares, só para me distrair procurando-as. Ontem, cansado da brincadeira, fingir não a ver por trás da cortina. Sorri enquanto tudo estava bem. Mas só enquanto isso...

Acho imperfeitos os dias compridos que logo se espreguiçam com cheiro de café.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Comprimi a distância errada que existia desde o último dia. Não duvidaria dessa noite apressada, que quase terminou sem nem mesmo ter os olhos fechados. Insistente, mesmo com o cisco inconveniente a atiçar meu egoísmo.

Troquei as lâmpadas escuras por estas mais claras. Durante o dia as cubro de ciúmes, quando não são as mariposas. Ainda que não ouça, tem gente passando ali fora, balbuciando algo como se numa procissão. De pressa reza sem ter o que contar. Mas não faz mais diferença.

Sobre a mesa qualquer vela acessa. E eu nem cheguei a perceber.

Assim o babobá cresceu. E seu eufemismo é maior do que o meu. Tenho anel no dedo direito que o vento curva como num conceito. Sou feito de fé: ateu.

Sons que embrulham o estomago, rimas como de criança que balança num pneu sob seus galhos, enquanto crescem e tomam toda a casa. Aninho-me em tuas raízes, querendo-te derrubar. Mas não me ouso. Aqui sou eu o oco, e você de folhas verdes, cheias de sede. Seis meses, e eu somente a te mijar.

Basta a ti ficar em mim. Daqui debaixo de você, nem chapéu preciso. Se sismo, compro um picapau.