sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Ainda visito a casa dali de baixo. Noutro dia coloquei uma escada de ponta-cabeça, já que dela não preciso subir. Às vezes levo alguns pratos, outras vezes levo a poeira dos dias, as moscas e as feridas. Sento sempre perto da janela que vive entreaberta, como se deixasse quase nada passar, e deixa tudo lá dentro diferente. Quando o sol atravessa a garrafa faz desenhos no chão que tendo descobrir.

Vou pouco, porque tenho vergonha. Vez ou outra, saio antes do santo estender a mão. Certo dia correu até a perto, repousou uma das mãos lá no alto do batente e ficou a me olhar. Não disse nada, mas revelava aquele semblante de interrogação. Eu não sei, porque não vi, corri sem virar pra trás. Só parei quando encontrei aquelas duas flores que nunca sei se devo passar entre elas.

Eu sisudo é como aquele último gole que só uso eventualmente. Todas as garrafas ficam pela metade porque às vezes podemos decidir o que acaba.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Não largo a enxada, não paro de cultivar. Por vezes só as vejo crescer, quieto, tragando o fim do dia e baforando essas cinzas para longe de mim. Não que eu pare – impossível – mas as botas encostadas naquele resto de parede só dizem que meus pés coçam a lama lá de fora.

Ainda vejo descer as estrelas quando encosto as costas no tronco do meio da sala. E finjo acreditar nos olhos por trás dos muros, surrupiando em algum buraco este meu nada. Inquieto-me. Mas nada.

Lá no canto algumas Viola tricolor L quase sem querer. São assim sem cultivo nascendo despercebido, teimando em chamar minha atenção. Quando canso não rego. E ando por cima delas com a cabeça quase alcançando o teto, onde escondo as pedras sobre as ripas, pra que me sirvam no dia de não-sei-o-que.

Mas não paro, ainda que finjo. Todo esse lixo deixo pros homens que passaram correndo. Noutro dia inventei de colocar tudo em papel-presente e ninguém levou.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Esse silêncio incômodo de todas as noites, desses pássaros que dormem, e dos amigos que fogem, me entortam os olhos a rabiscar na caixa de areia que roubei outro dia da praça, pra ver se planto coqueiro e invento um dia de sol.

Mas há sim o silêncio, quase quieto, que teimo em atrapalhar com uma tosse fingida pra alguém escutar. E se outro soluça, finjo não ser comigo, teimosia em desconfiar de todas as poucas folhas que caem, achando que alguma o fez de propósito.

Vivo subindo na parede, me deixando de enfeite pra ver se de repente me encho de pó. Já fiquei dias sem me mexer, mas agora há sempre o que colher, mesmo que frutas verdes ou folhas passadas do tempo. E se essas vão com o vendo, me permito também.