sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Seria qualquer coisa se não fosse exato. Ainda assim não tem nome ou espaço. Apenas algo vago que vejo refletido através do copo... Mais um gole. Aperto minhas vistas, insistindo em fingir não ver.

Troco da lâmpada para o sol, comprometendo-me, ainda, com o silêncio do dia que mal começou. Ameaço não vê-lo e chego até a me despedir. Mas recuso a reclusão também.

Uma volta em tudo que ficou largado. Ainda não sei se gosto desse cheiro de podre que ficou, do espantalho que agora vive a sorrir, com cara de bom moço, roupas quase limpas, agachado perto dos tomates - que nem se coram mais quando me vêem -, torcendo a meia encharcada ou, ainda, desses pássaros que comem tudo apressados, fingindo não haver nada ali.

Uso as mãos para começar a cavar a terra. Perco-me de mim, e só paro quando o dia já havia se despedido há algum tempo. Forro tudo aquilo com pequenas pedras que vou recolhendo sem pressa. Uma após a outra, enchendo os bolsos da calça, da camisa e até o chapéu. Uma ou outra escondo dentro do sapato. Quando termino sento em uma das bordas, torcendo pra que chova incontrolavelmente e encha o lago recém criado.

Ainda não sei se poderia ser alguma coisa. Tampouco pensei. Esqueci tudo de esquisito dentro de mim. Mas ainda assim pode ser. Ascende um fósforo que não queima, e a chama... Não, não vou. Mais um gole e aquilo ali, ainda assim.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Nem todos os caminhos são limpos pelos passos arrastados, cheios do peso inconstante do repentino solavanco da cabeça, que bebe, gira, bate e pensa... pensa repetidamente, deixando escapar vespertinos receios.

Algumas poses para os tomates acanhados que há meses não perdem sua cor. Enquanto sento no muro, observando a rua. Por lá sempre passam duas pessoas.

Ainda tomo meus comprimidos, mesmo depois de curado, almoço sempre sentado no meio do nada, como apressado. Ando de lado quando não sei pra onde ir.

Me assombra a alegria da tarde, o cheiro de café torrado, as flores que giram como se fosse primavera, a água que ondula, arrastada pelo vento que não sobra. Os cabelos molhados, a casa torta, o canto que vem dos pássaros sempre que as vozes se calam.

E lá se vão os dois, como se fossem sozinhos. E eu cá, como se nunca estivesse. Conto onze clichês para cada passo dado, e um bocado de insanidade pra acabar com o que havia traçado. Talvez já se baste uma por diferença.

Anoto o sonho e escondo o papel. A idéia é não acordar, ou descobrir que nunca estive sonhando.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Despejo-me conscientemente do que vestia. Sinto frio, um arrepio sussurrando pelo corpo sem trajes. Assoviei uma melodia repetidas vezes, até que de fato grudasse no meu ouvido, e não precisasse mais usar a boca.

Enfileirei o gnomo que sobrou com alguns montinhos de barro, fingindo serem soldados num desfile, que descia em volta de toda horta, exibindo armas feitas de gravetos. Sem jeito, tropecei por cima de alguns, que não demoraram a atacar-me no calcanhar. Deitei ao lado de um saco de mangas e das rosas nascendo, ainda em botão, engolindo certas doses de cheiro bom. Mão no coração, outra tampando os olhos, fluindo ainda aquela canção.

Poupei o resto do tempo dos meus pensamentos. Reprimi um espirro. Tingi meu corpo de vermelho enquanto olhava-o no espelho. Não era bem nada, minha mente voava. Nem mesmo sei se não era outro eu. Ou alguém que não reconheci e me espiava. Era puro engano. Talvez isso. Porque todas as incertezas já foram ditas, e a verdade ainda se vestia.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Hoje o dia desiste de acordar. Com os olhos cheios de névoa, tremula na cama descoberto, com preguiça, como se insista em ficar deitado, tentando um sono desesperado, mesmo com os ruídos lá de fora.

Saio para a horta na ponta dos pés. A cada tropeço olho para cima, vigiando pra ver se o barulho o fez acordar. Suspiro aliviado quando o vejo virar de lado com um bocejo. Sento-me ao lado dos brotos de batata e as nuvens de mãos dadas. Observo, como se um olhar fosse suficiente, recusando-me a me mover. Meus pensamentos se perdem quando dobram a direita, logo após a estreita passagem que fiz, para que só se passe pulando num pé.

Plantei algumas sementes de baobás na casa, entre a sala e a sábia imagem presa em madeiras de oliveira, perto da parede que arranquei, e de outra, ainda lá por descuido.

Coloquei o chapéu, a barba, minhas botas de pés descalços, atravessei o quintal e me sentei num degrau, observando-o acordar, num soluço.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Com o tempo me acostumei com o barulho do vento que entra sem parar. O frio é companhia inestimável, já que faz abraçar-me em um quente conforto. Sem outros laços apertados, confundo-me neste interminável ‘eu’, distante do copo, do fogo, diante do violento espaço oco do vaso de flor, que teima um perfume entre o cheiro e a lembrança.

Acho que vi um dos gnomos sentados por ai. Óculos fortes, garrafa vazia de coca-cola na mão. Era como se olhasse para mim, e para o nada ao mesmo tempo. Passei olhando de canto, como se não fosse comigo. Nem insisti em voltar, talvez pra não ter que puxar assunto, ou atrever um simpático ‘bom dia’. Como se fosse necessário.

Ajoelhei-me diante da casa, sob a sobra da árvore. Fechei os olhos, juntei as mãos e traguei fundo o cigarro entre elas. Depois outro. Deixei-me ignorar pelo nada que acontecia em minha volta. Escutei cada ausência de barulho e me irritei com aquelas vozes inexistentes. Acabei por me desconcentrar.

Cocei a orelha enquanto voltava. Quando cheguei, já estava vermelha. Mal vi que já havia acabado.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Risquei, numa folha da árvore caída ao chão, um mapa marcando as moedas escondidas. Tive medo de esquecê-las, como tantas outras coisas jogadas aos cantos, fingindo disfarçar quando me vêem passando apressado, de um lado ao outro, devorando o piso sem perceber.

Tomo um trevo de três folhas, que nasce escondido no canto da casa. Rasgo uma de suas folhas, para que se tornem quatro, fingindo uma sorte qualquer, burlando a extraordinária verdade aflorada entre os goles ambiciosos de olhos atentos do outro lado da rua.

Sorri amareladamente, correndo pra me esconder debaixo dos cogumelos. Desce quase queimando a garganta. Paro e espero.

Saio cantando em línguas estranhas. Sem romãs ou travesseiros. Com um pé no chapéu, dedos virados pra trás, fumo um charuto dentro do cachimbo, um muro que atravesso com uma das mãos. Por descuido um ruído me distrai.

Um fio de cobre balançando ao longe.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Lambi-me tal como um gato. Tentava tirar de mim esses dias carregados de distância, feito olhos de cereja, escorridos como rios vazios, que só vive uma estação por ano, deixando pro resto as pedras soltas.

Desisti dos santos de barros também, que de mim tiravam o primeiro e, às vezes, o último gole, já com a mão adormecida, deixando que tudo caísse sem perceber. Fiz dois gorros de folhas catadas por ai, umas verdes, outras amarelas, e botei neles. Viraram gnomos no meu jardim.

Não sei bem se grito para ouvir o eco nessa casa, ou simplesmente me apresso, cuspindo cinco ou seis palavras a mais do que o recomendado. Mas ninguém as ouve, e o prato ainda calado junta moscas barulhentas.

Sentei despreocupado, depois de arrancar a janela, pra deixar o vento entrar. Agora chega sem bater e nem me atormenta mais do que o frio que já faz aqui.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Não transpirei uma gota de lucidez enquanto fechava o portão da casa atrás de mim. Também não era bem portão, era feito de madeira de lenha que queimava de vez em quando para aquecer minha ignorância. Às vezes construía outro. Noutras, recolhia o que sobrava, sabendo que ali estava um pouco menos de mim. Perdi-me enquanto caminhava de costas, procurando apontar aquilo que deixava pra trás, sorrindo enquanto soltava os espinhos do punho.

Regurgitei algum sentido literário. Eu era Samsa na sarjeta, sem sonhos inquietos, ou tanta chuva, numa curva suja, podre de restos sofridos de gente estranha.

Cheguei ainda vendo de onde parti. Não vi quem ali estava, não prometi nada a ninguém, tampouco me viram acenando com a boca ou mãos, qualquer coisa que poderia dizer algo. Talvez nem tenham me visto partir, enquanto fingia que estava chegando.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Dormi quase uma semana, enquanto tecia alguns trapos que serviriam para cobrir meu corpo. Fiz um rosto novo na parede ao lado, enquanto cobria o outro com um pouco do dia, que todo dia iria surgindo, sem calma.

Joguei algumas pedras dentro do meu sapato, calcei-os e passei a pisar firme. Trancei a barba esquecida ali, a crescer, dançando meus olhos sob as pálpebras, procurando sobreviventes entre as faltas cometidas no escuro, sem procurar, dessas verdades fingidas entre um gole lúcido e o devaneio do pensamento.

Iludi-me com tudo aquilo, transpirando ainda o cortejo, lembrando de mim esquecido, nesses dias, vestido de pele, com o frio alcançando os olhos destes que não me olham.

terça-feira, 28 de julho de 2009

Simplesmente esqueci hoje o que ocorrera nos últimos tempos. Esqueci de mim, de um bocado de gente, das coisas lá fora e do que restou aqui dentro também. Não enlouqueci, tampouco misturei as poses repetidas nessas fotos sem gestos.

Senti-me abduzido do que um dia fora, rastreando meus passos pela casa, através do pó marcado onde primeiro eu estivera. Diante do espelho, chovendo não sei se dias, meses, uma gripe ou unha encravada. Bastando uma vaga distancia entre mim e o teto. Um vento querendo dizer algo irritante.

Demorei um tanto pra perceber os vagalumes passeando. Ainda duvidara da luz pingando sobre meus olhos, dessa sensação qualquer, percorrendo-me todo, desviando do lado esquerdo e se refugiando calado nas pontas do dedo.

Despedi-me de tudo, antes de começar a entender. Fechei os olhos e me despi, disto tudo que acabara de me lembrar.

sábado, 25 de julho de 2009


Há três dias construí uma casa debaixo da árvore. Tenho medo de alturas e escadas. Parece uma casinha de cachorro, no estilo barroco, fachada de gesso, altarzinho numa das paredes com dois santos que inventei com a lama lá de fora. Ajoelhei-me diante deles, mas não pedi nada, e nem agradeci, apenas achei o gesto bonito, ou outra razão não teria pra estarem lá, ainda que sem nomes, graças ou mantos.

Sem pecados, agarrei a garrafa com tanta força, que de mim quase foge. Pude andar tranquilamente o resto da tarde, de um lado para outro, chutando as folhas e contando os passos, tomando goles daquele vento sereno de fim de dia, doses de sol que se despedia, sentindo seco pelo meu corpo o conhaque vencido, do qual me entregava, derrotado.

Acompanhei uma procissão que se perdia por debaixo da casa. Surdinamente o relógio foi dando voltas sem parar, até meus olhos sortearem uma hora qualquer. Cochichei com umas duas que por lá passavam a indecência das que carregavam as rosas. Arrotei faminto e me despedi, ainda de joelhos.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Não me lembro da ultima vez que cuidei da horta. Faz cem anos que não mando mais em minhas mãos. Ouvi vozes pela rua e sai junto com a lua. Plantei sementes, reguei, acariciei as ervas crescidas – mesmo as daninha –, enruguei meu rosto e bati três vezes na árvore, como um tique que quis inventar. Sorri debochadamente.

Não achei vivas as janelas da casa, que lustrava com as solas da bota. Tão pouco achei sorrindo o vento barulhento que não me deixava ouvir o ranger da porta, lubrificada com as pedras que botei para segurá-la.

Dali partira sempre alguns tomates. Verdes. Custava corá-los. Ainda que pudesse lhes contar horas e horas de qualquer história. Partiam sempre, desejando de mim apenas para subsistência.

Todas as tardes me soltava para ver o sol se pondo por trás da casa, sempre num alaranjado, enquanto sentado à sombra de qualquer coisa por ali. Ainda que o sol se pusesse sempre pelo lado oposto, e que, nesta época, chova todas as tardes. Eu gosto mesmo de inventar.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Quando me vi de olhos abertos, pude correr sem parar, sempre seguindo em frente, não importa se meu corpo tombasse para a direita ou, às vezes, para a esquerda. Não era bem fôlego, nem mesmo uma fuga. Não pude contar às voltas que dei na mesa. Cruzei a cadeira umas duas ou três vezes, cumprimentando-a a minha maneira, mas não parei.

Uma arregalada terra girava cega, tonteando a casa térrea, as árvores, aquelas flores secas, um pássaro que berra, dilacerando o silêncio contido entre aquelas frases repetidas e o eco que não cessa. Gotejando paciência, nesta latência corrupta, servos discrepantes da ironia repetida todo dia.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Nem ao menos cogitei a idéia de abrir meus olhos. Percorri com as mãos a pia, a água, o rosto, os espinhos da garrafa, o copo, que fazia arranhar pelo pescoço, descendo, como se subisse. Fiquei ali parado por um tempo que não contei, evitei pensar, solucei, arranhei as unhas na cabeça.

Esgueirei minhas pequenas misérias de consciência para perto do calor. Duvidava da clara vantagem de continuar de pé, limitando-me a uma coceira no tornozelo. Tinha a nítida certeza de que algo continuará ali, ainda que de um tempo para o outro, tivesse fugido pela casa sem paredes. Mas não procurei... nem saber se era dia ou noite.

Abordei as moedas no pote de cima da geladeira. Engatinhei até um canto qualquer, sentindo o vento frio batendo nas costas. Afastei a terra com as mãos e enterrei o pote, as moedas e duas gotas de uma água escorrida, como brincando de pirata. Espreguicei-me, dei tom à pele com lápis. Pisquei os olhos.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Sai para conversar com a rua. Caminhei com as calças sujas, procurando pessoas, sem querer encontrá-las. Evitei algumas esquinas. Procurei acima do que se podia ver, como noutro dia, perdendo os dedos entre a barba.

No bar meu copo pela metade, e era só assim. Deixei meus olhos descansar sobre ele, como procurando qualquer resposta para as perguntas que eu não saberia fazer. Bebi e não me preocupei se engolira de fato alguma pseudo conclusão, que se esvairiam dali algum tempo. Pedi outro, também pela metade, para continuar pensando.

Não tive pressa de ir embora, mas cheguei muito antes que pudesse perceber, ainda com sede. Fui dormir embaixo da cama, escondendo-me de todo aquele espaço.

terça-feira, 14 de julho de 2009

Enquanto recolhia os restos das paredes ali no chão, recobria meu rosto com um suor ardido. Dei fim a todos os encostos da casa, e pude beber da imensidão de todo aquele espaço que me prendia ao meu mundo, onde eu podia tudo. Do louco absurdo de permanecer ali parado, ao contrário, de estar mudo, pouco antes de gritar.

Cobri dúzias de rosas, que cultivava por seus espinhos, com várias palavras que me lembravam uma canção. Entreguei a um menino que passava, prometendo que haveria ali algum sorriso, ou, ao menos, um estranho olhar. Com aquelas pontas, com cuidado, enfeitei a borda da garrafa, afagando minha garganta, com o que dela havia. Ah, e pude gritar novamente, mas não o fiz.

Escorreguei meu corpo pra debaixo de toda aquela terra, pouco a pouco. Por mera inquietude, não pude perceber o dia se alongando vagarosamente, talvez pra se espreguiçar, como quando a gente quer continuar deitado.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Dormi quase congelando. Geladeira de porta aberta, corpo quase nu, cabelos molhados, dedos enrugados. Encolhido. Não tinha pressa pra me perder no sono.

Dois grandes baldes pendurados no teto. Grades de proteção embaixo da cama.

Rolo para todos os lados, amasso mais um papel. Idéias absurdas. Tantas paredes me prendendo, e todos os tormentos aqui comigo. Levanto por um momento, meço a distancia entre mim e o fim do quarto. Começo a abrir uma nova porta que dê para o próximo cômodo. Devagar.

Martelo algumas moedas na parede, enfeito a mesa com poeira, distorço o silêncio redundante.

Boto meias sujas, cumpro a história para cada ruga, escrevendo delicadamente, cada contorno.

terça-feira, 7 de julho de 2009

Medi dois dedos e outra dose completa. Enchi o regador.

Embebedei o alimento pronto pra colher. Feijões deleitosos, milhos corados e ervas de conversas mansas.

Entupi de sopros uma garrafa enquanto a esvaziava. Antes um gole pro santo, que já me concede milagres atrapalhados.

Um lago no meio da sala, nuvens de chuva no banheiro, dia que se esquece lá fora. E o papo que não acaba nessa horta ensopada.

Mudo o sol de lugar, carrego as horas nos ombros para escondê-las atrás da árvore. Invento folhas caindo e arrasto as pedras pro caminho. Sorrio.

Tropeço até encontrar a porta. Desenho meu rosto de cabelo comprido alcançando a janela. Aprendo a caminhar com os sapatos que tenho. Enquanto o santo soluça intenções, invento as canções que esqueci.

O vento vem chegando, sem soprar muito forte. Enfrento de peito aberto, tremendo de frio.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Bisbilhotei pela fechadura o quarto vazio.
Não dormia e senti medo de eu ainda estar lá dentro.
Prendo a respiração... não sei quando parti.
Arranjei duas pás e me pus a cavar, bem ali na porta.
Fiz uma trincheira. Água e um pouco de lama, pintei meu rosto.
Dispus-me quase nu, armado com algo que não me lembro mais.
Arrasado pela suposta invasão a mim mesmo, não fugi.
Capacete feito de palha, cachimbo fingindo uma fumaça escura
Acabei anunciando minha posição, apesar de não perder
Sai ferido, mancando, mas sorrindo de canto.
Escondi o buraco com o porta do quarto
Não sem antes de, ali, jogar sementes para uma goiabeira
Acendi o fogo e traguei, enquanto coçava a orelha
Decidi, por fim, filmar meu rosto num papel riscado.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Sugeri umas doses de conhaque, cointreau e uns poucos soluços sádicos.
Enrolei em sacos moedas velhas que se amontoavam em meu bolso.
Cuspi o dia que entrava pela janela, o arrepio com a luz da vela.
Apaguei.
Com as forças raras das pernas desgastadas: um pulo.
Malditas garrafas sobre o muro de coisa alguma.
Acordo novamente, jogado de lado numa cadeira de pés quebrados.
Lento, invariavelmente lento, tento me levantar, não quero nada.
Água no rosto e um gosto estranho no coração
Outro gole com um bochecho enorme, pra ver se some
Uma tarde fria minha frente, rente a pia com um prato nas mãos
Eu não entendo. Nem tento.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Engoli quatro pratos de alegrias inconstantes e sai. Almoço corrido, outro prato no lixo, cacos espalhados no jardim e as horas correndo atrás de mim. Pude contar todas as pedras do caminho: 1707.

– Ouvi dizer que esse tal de João havia falecido. – Também ouvi dizer, mas fingi que não.

Continuei andando com os pés quase descalços. Passei sem fazer a barba, coçando a cabeça e contanto as pedras.

Por vezes não era nada mais. Sorri disfarçando a ironia. Um menino que inventava um vento com o dedo emburrando o barco pela sarjeta. Ainda comia.

E o dia fugia. Abracei dois gargalos, um ralo sujo e a fresta do silêncio que quase perdi de vista, quando passava.

Havia quase tudo, menos o tempo. Hora de voltar correndo.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Todo esse silêncio angustiante da noite corta meus ouvidos como vidros. Escondo-me embaixo das cobertas. É o meu próprio silêncio.

Invento uma cabana com os lençóis. Uma lanterna e nada de janelas. Têm frio, barulho de rio e cumprimento algumas moscas para atrapalharem meu sono, mas não há nada de vento. Há o lago de bacia que molha meus pés quando saio pra buscar pão amanhecido e a cômoda ao lado que encontra o dedo do pé.

Improviso uma fogueira com as brasas de um coração quase apagado. Mas me aquece.

Vou comprar uma serra-elétrica. Derrubo os móveis de casa, espalho folhas secas, me deparo com portas e paredes e tomo um banho gelado. Ainda molhado volto a me esconder. Abro algo, bebo alguma coisa mas não como nada. Jogo migalhas de pão no lago, tento pescar. Salta-me um peixe grande.

terça-feira, 30 de junho de 2009

Levanto pedindo refúgio, como num dia que não se quer acordar, ou se acorda tarde demais. Meu rosto pálido, mas com vida – hoje sim, sem dúvida, com vida – na pia do banheiro. Um cinzeiro vazio ao lado, não fumo!.. ou já me esqueci disso.

Pés descalços no chão quente. Um gole de café. Dois, três.. e mais outro. Ainda preciso acordar. Farejo a horta lá fora que costuma não crescer. Cavo, adubo, rego, planto, mas ainda não colho nada, mas isso não importa. Mais um pouco de água que deixo correr. E mais café...

Esfrego meu peito, estico os braços, olho pra longe e paro. Pessoas passam e eu ali, como espantalho, fingindo trabalhar, queimando ao sol. Sobrancelha grossa que coça com uma mosca. Um bom dia, algumas aspirinas e meu rosto ainda pálido. Outro copo de café, este com whisky, e agora sim, saio para colher.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Não! Não fujo nem corro. Estou morto!

E no meio de meu cortejo, levanto-me, como dum sono, quase superficial. Ninguém gritou e nem havia porque me assustar também. Nem dei bom dia, não por não saber se era manhã ou tarde, mas por todos já saberem mesmo do meu mal humor. Mas fiquei feliz ao ver meu chapéu de palha na mão de alguém que não fiz esforço pra reconhecer.

Voltei pra casa. Ninguém perguntou nada, também não responderia. Ninguém veio me visitar. Não me lembro o que houve, só da onde estava, mas não dou conta de pensar nisso. Pouco importa. Minha cadeira, cigarro de palha, o passarinho que tenho certeza que é o mesmo todos os dias, apesar de hoje ele estar em silêncio, o sol quente, a rua quase vazia, sem que ninguém me olhe e sem que eu me importe.

Só não entendi porque dessas roupas surradas e o pé com essas botas. Ainda bem que não havia rosas e nem espinhos. Ainda bem que ninguém chorou, nem eu me lamentei.

Mais um gole que desce arranhando a garganta, o cheiro da terra que deveria ter molhado e a tarde, que finalmente acabou. Levanto-me e percebo o algodão em meus ouvidos.