terça-feira, 28 de julho de 2009

Simplesmente esqueci hoje o que ocorrera nos últimos tempos. Esqueci de mim, de um bocado de gente, das coisas lá fora e do que restou aqui dentro também. Não enlouqueci, tampouco misturei as poses repetidas nessas fotos sem gestos.

Senti-me abduzido do que um dia fora, rastreando meus passos pela casa, através do pó marcado onde primeiro eu estivera. Diante do espelho, chovendo não sei se dias, meses, uma gripe ou unha encravada. Bastando uma vaga distancia entre mim e o teto. Um vento querendo dizer algo irritante.

Demorei um tanto pra perceber os vagalumes passeando. Ainda duvidara da luz pingando sobre meus olhos, dessa sensação qualquer, percorrendo-me todo, desviando do lado esquerdo e se refugiando calado nas pontas do dedo.

Despedi-me de tudo, antes de começar a entender. Fechei os olhos e me despi, disto tudo que acabara de me lembrar.

sábado, 25 de julho de 2009


Há três dias construí uma casa debaixo da árvore. Tenho medo de alturas e escadas. Parece uma casinha de cachorro, no estilo barroco, fachada de gesso, altarzinho numa das paredes com dois santos que inventei com a lama lá de fora. Ajoelhei-me diante deles, mas não pedi nada, e nem agradeci, apenas achei o gesto bonito, ou outra razão não teria pra estarem lá, ainda que sem nomes, graças ou mantos.

Sem pecados, agarrei a garrafa com tanta força, que de mim quase foge. Pude andar tranquilamente o resto da tarde, de um lado para outro, chutando as folhas e contando os passos, tomando goles daquele vento sereno de fim de dia, doses de sol que se despedia, sentindo seco pelo meu corpo o conhaque vencido, do qual me entregava, derrotado.

Acompanhei uma procissão que se perdia por debaixo da casa. Surdinamente o relógio foi dando voltas sem parar, até meus olhos sortearem uma hora qualquer. Cochichei com umas duas que por lá passavam a indecência das que carregavam as rosas. Arrotei faminto e me despedi, ainda de joelhos.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Não me lembro da ultima vez que cuidei da horta. Faz cem anos que não mando mais em minhas mãos. Ouvi vozes pela rua e sai junto com a lua. Plantei sementes, reguei, acariciei as ervas crescidas – mesmo as daninha –, enruguei meu rosto e bati três vezes na árvore, como um tique que quis inventar. Sorri debochadamente.

Não achei vivas as janelas da casa, que lustrava com as solas da bota. Tão pouco achei sorrindo o vento barulhento que não me deixava ouvir o ranger da porta, lubrificada com as pedras que botei para segurá-la.

Dali partira sempre alguns tomates. Verdes. Custava corá-los. Ainda que pudesse lhes contar horas e horas de qualquer história. Partiam sempre, desejando de mim apenas para subsistência.

Todas as tardes me soltava para ver o sol se pondo por trás da casa, sempre num alaranjado, enquanto sentado à sombra de qualquer coisa por ali. Ainda que o sol se pusesse sempre pelo lado oposto, e que, nesta época, chova todas as tardes. Eu gosto mesmo de inventar.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Quando me vi de olhos abertos, pude correr sem parar, sempre seguindo em frente, não importa se meu corpo tombasse para a direita ou, às vezes, para a esquerda. Não era bem fôlego, nem mesmo uma fuga. Não pude contar às voltas que dei na mesa. Cruzei a cadeira umas duas ou três vezes, cumprimentando-a a minha maneira, mas não parei.

Uma arregalada terra girava cega, tonteando a casa térrea, as árvores, aquelas flores secas, um pássaro que berra, dilacerando o silêncio contido entre aquelas frases repetidas e o eco que não cessa. Gotejando paciência, nesta latência corrupta, servos discrepantes da ironia repetida todo dia.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Nem ao menos cogitei a idéia de abrir meus olhos. Percorri com as mãos a pia, a água, o rosto, os espinhos da garrafa, o copo, que fazia arranhar pelo pescoço, descendo, como se subisse. Fiquei ali parado por um tempo que não contei, evitei pensar, solucei, arranhei as unhas na cabeça.

Esgueirei minhas pequenas misérias de consciência para perto do calor. Duvidava da clara vantagem de continuar de pé, limitando-me a uma coceira no tornozelo. Tinha a nítida certeza de que algo continuará ali, ainda que de um tempo para o outro, tivesse fugido pela casa sem paredes. Mas não procurei... nem saber se era dia ou noite.

Abordei as moedas no pote de cima da geladeira. Engatinhei até um canto qualquer, sentindo o vento frio batendo nas costas. Afastei a terra com as mãos e enterrei o pote, as moedas e duas gotas de uma água escorrida, como brincando de pirata. Espreguicei-me, dei tom à pele com lápis. Pisquei os olhos.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Sai para conversar com a rua. Caminhei com as calças sujas, procurando pessoas, sem querer encontrá-las. Evitei algumas esquinas. Procurei acima do que se podia ver, como noutro dia, perdendo os dedos entre a barba.

No bar meu copo pela metade, e era só assim. Deixei meus olhos descansar sobre ele, como procurando qualquer resposta para as perguntas que eu não saberia fazer. Bebi e não me preocupei se engolira de fato alguma pseudo conclusão, que se esvairiam dali algum tempo. Pedi outro, também pela metade, para continuar pensando.

Não tive pressa de ir embora, mas cheguei muito antes que pudesse perceber, ainda com sede. Fui dormir embaixo da cama, escondendo-me de todo aquele espaço.

terça-feira, 14 de julho de 2009

Enquanto recolhia os restos das paredes ali no chão, recobria meu rosto com um suor ardido. Dei fim a todos os encostos da casa, e pude beber da imensidão de todo aquele espaço que me prendia ao meu mundo, onde eu podia tudo. Do louco absurdo de permanecer ali parado, ao contrário, de estar mudo, pouco antes de gritar.

Cobri dúzias de rosas, que cultivava por seus espinhos, com várias palavras que me lembravam uma canção. Entreguei a um menino que passava, prometendo que haveria ali algum sorriso, ou, ao menos, um estranho olhar. Com aquelas pontas, com cuidado, enfeitei a borda da garrafa, afagando minha garganta, com o que dela havia. Ah, e pude gritar novamente, mas não o fiz.

Escorreguei meu corpo pra debaixo de toda aquela terra, pouco a pouco. Por mera inquietude, não pude perceber o dia se alongando vagarosamente, talvez pra se espreguiçar, como quando a gente quer continuar deitado.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Dormi quase congelando. Geladeira de porta aberta, corpo quase nu, cabelos molhados, dedos enrugados. Encolhido. Não tinha pressa pra me perder no sono.

Dois grandes baldes pendurados no teto. Grades de proteção embaixo da cama.

Rolo para todos os lados, amasso mais um papel. Idéias absurdas. Tantas paredes me prendendo, e todos os tormentos aqui comigo. Levanto por um momento, meço a distancia entre mim e o fim do quarto. Começo a abrir uma nova porta que dê para o próximo cômodo. Devagar.

Martelo algumas moedas na parede, enfeito a mesa com poeira, distorço o silêncio redundante.

Boto meias sujas, cumpro a história para cada ruga, escrevendo delicadamente, cada contorno.

terça-feira, 7 de julho de 2009

Medi dois dedos e outra dose completa. Enchi o regador.

Embebedei o alimento pronto pra colher. Feijões deleitosos, milhos corados e ervas de conversas mansas.

Entupi de sopros uma garrafa enquanto a esvaziava. Antes um gole pro santo, que já me concede milagres atrapalhados.

Um lago no meio da sala, nuvens de chuva no banheiro, dia que se esquece lá fora. E o papo que não acaba nessa horta ensopada.

Mudo o sol de lugar, carrego as horas nos ombros para escondê-las atrás da árvore. Invento folhas caindo e arrasto as pedras pro caminho. Sorrio.

Tropeço até encontrar a porta. Desenho meu rosto de cabelo comprido alcançando a janela. Aprendo a caminhar com os sapatos que tenho. Enquanto o santo soluça intenções, invento as canções que esqueci.

O vento vem chegando, sem soprar muito forte. Enfrento de peito aberto, tremendo de frio.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Bisbilhotei pela fechadura o quarto vazio.
Não dormia e senti medo de eu ainda estar lá dentro.
Prendo a respiração... não sei quando parti.
Arranjei duas pás e me pus a cavar, bem ali na porta.
Fiz uma trincheira. Água e um pouco de lama, pintei meu rosto.
Dispus-me quase nu, armado com algo que não me lembro mais.
Arrasado pela suposta invasão a mim mesmo, não fugi.
Capacete feito de palha, cachimbo fingindo uma fumaça escura
Acabei anunciando minha posição, apesar de não perder
Sai ferido, mancando, mas sorrindo de canto.
Escondi o buraco com o porta do quarto
Não sem antes de, ali, jogar sementes para uma goiabeira
Acendi o fogo e traguei, enquanto coçava a orelha
Decidi, por fim, filmar meu rosto num papel riscado.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Sugeri umas doses de conhaque, cointreau e uns poucos soluços sádicos.
Enrolei em sacos moedas velhas que se amontoavam em meu bolso.
Cuspi o dia que entrava pela janela, o arrepio com a luz da vela.
Apaguei.
Com as forças raras das pernas desgastadas: um pulo.
Malditas garrafas sobre o muro de coisa alguma.
Acordo novamente, jogado de lado numa cadeira de pés quebrados.
Lento, invariavelmente lento, tento me levantar, não quero nada.
Água no rosto e um gosto estranho no coração
Outro gole com um bochecho enorme, pra ver se some
Uma tarde fria minha frente, rente a pia com um prato nas mãos
Eu não entendo. Nem tento.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Engoli quatro pratos de alegrias inconstantes e sai. Almoço corrido, outro prato no lixo, cacos espalhados no jardim e as horas correndo atrás de mim. Pude contar todas as pedras do caminho: 1707.

– Ouvi dizer que esse tal de João havia falecido. – Também ouvi dizer, mas fingi que não.

Continuei andando com os pés quase descalços. Passei sem fazer a barba, coçando a cabeça e contanto as pedras.

Por vezes não era nada mais. Sorri disfarçando a ironia. Um menino que inventava um vento com o dedo emburrando o barco pela sarjeta. Ainda comia.

E o dia fugia. Abracei dois gargalos, um ralo sujo e a fresta do silêncio que quase perdi de vista, quando passava.

Havia quase tudo, menos o tempo. Hora de voltar correndo.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Todo esse silêncio angustiante da noite corta meus ouvidos como vidros. Escondo-me embaixo das cobertas. É o meu próprio silêncio.

Invento uma cabana com os lençóis. Uma lanterna e nada de janelas. Têm frio, barulho de rio e cumprimento algumas moscas para atrapalharem meu sono, mas não há nada de vento. Há o lago de bacia que molha meus pés quando saio pra buscar pão amanhecido e a cômoda ao lado que encontra o dedo do pé.

Improviso uma fogueira com as brasas de um coração quase apagado. Mas me aquece.

Vou comprar uma serra-elétrica. Derrubo os móveis de casa, espalho folhas secas, me deparo com portas e paredes e tomo um banho gelado. Ainda molhado volto a me esconder. Abro algo, bebo alguma coisa mas não como nada. Jogo migalhas de pão no lago, tento pescar. Salta-me um peixe grande.